Monday, November 17, 2014

TRADUCCIÓN DE UNA NOCHE CON LA MUERTE AL PORTUGUÉS

Me acabo de enterar fisgoneando en google que el distinguido profesor de Teatro Jose Topa del ESMAE Polítecnico de Oporto, se tomó la molestia de leer y traducir mi obra de teatro "Una noche con la muerte" y, además, la puso en escena con sus alumnos razones por las cuales ya le estaré eternamente agradecido. Lo único que lamento es no haber visto esa representación, aunque estoy viendo a ver si hay un video de la misma. En cualquier caso, les dejo con la traducción que tuvo la gentileza de mandarme el maestro Jose Topa


 Uma noite com a morte

Juan Patricio Lombera



            Um quarto de 2 por 2 metros situado no meio do cenário. O quarto consta de uma parede ao fundo e de duas laterais (a da direita tem uma porta e uma janela). O tecto tem um foco que fica aceso durante toda a representação; fora do quarto não há luz até ao final. Encostada à parede do fundo, à esquerda, há uma cama, ao lado há uma estante de livros com livros de filosofia, ciências políticas, e literatura. A parte superior da estante, que tem 1 metro de altura, serve de mesinha de cabeceira; sobre ela há um candeeiro, uns copos e uma caneca de água. Entre a cama e a parede da direita há umas caixas onde estão guardados pratos, cobertores e roupa. Na parede do fundo vêem-se fotos de Frida Kahlo e cartazes de filmes mexicanos e estrangeiros. No chão há um fogão eléctrico, algumas verduras metidas em sacos plásticos e outras comidas. Aparece Jorge -, um jovem universitário vestido com um casaco de couro, uma camisa preta, jeans e sapatilhas. Traz uma mochila ao ombro que atira para o chão. Apanha uma laranja do chão e começa a descascá-la, sentado na cama.



Jorge - (Enquanto come e para si mesmo) Que dia! De manhã não tive tempo nem para respirar na oficina e na escola reprovei a Lógica. Depois a Letícia deixou-me a secar na estação de Campanhã. O melhor é ler um bocado e ir dormir. Amanhã é outro dia.

Jorge - deixa a laranja em cima da estante, de onde tira «A microfísica do poder», de Foucault e deita-se na cama. A cabeça está pousada na almofada, e os braços esticados para o tecto com o livro nas mãos. Começa a ler e, quase ao mesmo tempo, a bocejar. Depois de alguns minutos os braços baixam para o nível da cama e passado algum tempo adormece com o livro sobre o peito.
            Fora do quarto, vê-se a aproximar a sombra de um homem; aponta um revólver com silenciador e dispara dois tiros através de um furo na janela. O corpo de Jorge - ressalta duas vezes. O assassino foge.Jorge - levanta-se na cama e tenta ligar o interruptor várias vezes. Por fim, consegue. Volta-se e vê sobre a cama um manequim (que representa o seu corpo) ensanguentado.

Jorge - (Em tom tranquilo e sonolento) Mmmmh… Mais um pesadelo.

Jorge - tenta adormecer novamente sem êxito. Começa a preocupar-se quando aparece uma mulher formosa de tez pálida, de vestido preto com um amplo decote, que entra no quarto.

Morte -Posso?

Jorge - Pelos vistos, este pesadelo está-se a tornar num sonho dos anjos. Faça o favor, e diga lá que milagre do céu trouxe tão bela dama a esta humilde morada.

Morte - Estás a ver, passava nas proximidades, ouvi dois tiros e vim ver.

Jorge - (Preocupado, mas querendo parecer indiferente) Tiros? Quais tiros? Ainda vais achar que sou um mal-educado. Senta-te, à vontade. (Indicando a borda da cama com a palma da mão, mas ela fica de pé.)

Morte - Não, obrigada, não tenho muito tempo agora e…

Jorge - Como é que te chamas?

Morte - Digamos que tenho muitos nomes, segundo o país em que estiver, mas não to vou dizer…

Jorge - Vá lá, ó internacional, trabalhas ou estudas?

Morte - (Irritada) De momento estou a tentar trabalhar, mas tu não me deixas, com as tuas interrupções.

Jorge - Ui! Não fiques ofendida, também não é caso para tanto. E trabalhas em quê?

Morte - Digamos que a transportar as pessoas necessitadas para os lugares que desejam.

Jorge - (Irónico e aproximando-se dela, tentando abraçá-la pela cintura) Então, se estou a precisar, mas não creio que tenhamos que ir a algum lado para nos elevarmos… que é que achas?

Morte - (Libertando-se para se dirigir à porta) Acho que não percebeste. Eu não me ocupo de criar fantasias eróticas, e tu não estás a sonhar, o meu trabalho é como qualquer outro, talvez um bocado especial, se quiseres, mas é um trabalho, ao fim e ao cabo. Portanto, vens ou não vens?

Jorge - (preocupado, volta-se várias vezes para ver o seu cadáver, apalpa-o, tenta integrar-se nele, puxa os próprios cabelos e fala em tom alterado). Ou seja, eu… tu és…

Morte -Ahaaa.

Jorge - E, no entanto, enganas-te. Claro que, para ti, é muito fácil escolher um nome ao acaso, do directório, e foder o contemplado, só porque sim.

Morte - Pareces um miúdo pequeno, eu não tive nada a ver com a tua morte. Além do mais, de que é que te queixas se nem sequer sofreste? Havias de ir aos hospitais, onde quatro médicos conferenciam enquanto o doente tenta gozar e perpetuar os últimos estertores da vida. Já nem falo dos condenados à morte que tentam ficar acordados toda a noite anterior à execução, para não serem surpreendidos na hora de comparecer perante mim… Também é verdade que há pessoas que me desejam… (Jorge - olha-a de modo lascivo de cima a baixo) Não dessa maneira. Refiro-me aos velhos que vivem nos asilos, aos suicidas. Enfim, acho que já palrámos demais e são horas de irmos. (Estende-lhe a mão e acena com a cabeça paraa porta) Vamos?

Jorge - E se eu não quiser?

Morte - A questão não é tu quereres ou não. Tens que vir.

Jorge - Não percebo como é que, sendo tão bonita, consegues ser tão cruel.

Morte - Obrigada.

Jorge - Um criado seu.

Morte - Não penses que, com piropos, escapas ao teu destino. Bem, Jorge -, agora a sério, temos que ir.

Jorge - Não quero.

Morte - Já te disse que não me interessa o que pensas. Não podes dizer-me que não e ficar na cama, todo contente. (Aproxima-se e passa-lhe a mão pelo cabelo) Olha, eu sei que é difícil aceitar a morte, mas há uma hora para todos e a tua chegou. Além do mais, com o tempo vais-te dar conta do sortudo que és.

No diálogo seguinte a morte interrompe Jorge - sempre que este queira manifestar as suas objecções e à medida que ela vai enumerando os seus argumentos, ele vai ficando cada vez mais desesperado.

Jorge - Mas não é justo. Porquê eu? Quer dizer… só tenho vinte e um anos e tenho muitas ambições e não me quero ir sem realizar algumas delas. Ainda por cima, não vivi…

Morte - Muitos gostariam de ter chegado à tua idade ou morrer como tu. Sabes quantas crianças morrem de fome ou de doenças relacionadas com a pobreza todos os anos?

Jorge - Pois, mas…

Morte - Sabes quantos seres humanos agonizam diariamente, a sofrer com dores durante dias ou anos de doença incurável ou por causa de uma ferida de guerra?

Jorge - Sim, mas…

Morte - Sabes quantas pessoas morrem diariamente amarguradas por não terem podido realizar os seus sonhos e tendo tido uma vida medíocre?

Jorge - Pois, mas…

Morte - Pois, mas quê?

Jorge - (Pensativo) Quero lá saber dos outros, a mim o que me importa neste momento é a minha pessoa e não estou disposto a que me leves sem dar um bocado de luta primeiro.

Morte - O que tem de ser tem muita força. Não adianta resistires.

Jorge - Quer dizer que não interessa o que diga ou faça, porque não posso impedir que me leves contigo.

Morte - Com efeito.

Jorge - E isso parece-te justo?

Morte - Não me interessa a justiça. A única coisa que me interessa é cumprir com o meu trabalho; transportar almas. Além do mais, ao fim e ao cabo, o mundo é injusto, não é? Portanto, porque é que eu não haveria de ser?

Jorge - Não me admira que te estejas nas tintas para as consequências das tuas aparições. (Olhando-a nos olhos e procurando ofendê-la) No fundo, és completamente ignorante sobre os problemas da vida.

Morte - Ui! Que mau…

Jorge - (Levanta-se e começa a andar às voltas ao quarto) Dizes-me que há milhares de pessoas que te desejam, para acabar com o seu sofrimento, mas também muitos que procuram gozar até ao último minuto as suas agonias e que festejam por continuarem vivos, mesmo na dor; como essa mulher (aponta para a foto de Frida Kahlo).

Morte - A excepção que confirma a regra, não te parece?

Jorge - Tu não sabes o que é a paixão; o sentir que não vales nada se não tiveres a pessoa que amas a teu lado… e, claro, nunca te sentiste tão extasiada, depois de fazer amor, ao ponto de pensares que a tua vida poderia acabar ali e que tinha valido a pena vivê-la. Tu só sabes destruir, acabar com os sonhos e criar miséria e dor à tua passagem.

Morte - Cala-te, impertinente! (Levanta-se, aproxima-se dele e dá-lhe um bofetão que o faz cair)

Jorge - olha-a, impressionado, do chão, ao lado da cama, enquanto ela respira profundamente para se acalmar.

Jorge - Não posso lutar contra ti; portanto, fá-lo rápido e sem dor, mas, como viste, nem sempre tens razão e só tens a tua força para me obrigares a obedecer-te.

Morte - Perdoa-me. Nunca tinha perdido as estribeiras desta maneira. Magoei-te?

Jorge - Não é nada.

A morte senta-se na cama, ao lado de Jorge, e agacha-se para lhe ver a maçã do rosto, enquanto ele lhe mira os seios, deleitado. Quando ela leva a mão à cara de Jorge, este, mecanicamente, leva a mão à cara para se proteger,

Morte - Anda lá, não sejas palerma… prometo que não te vou magoar.

Por fim Jorge baixa o braço e ela inspecciona. Pouco a pouco, Jorge inclina a cabeça para as pernas dela até pousá-la, enquanto a morte lhe começa a afagar os cabelos e a baixar a mão até ao ventre, por baixo da camisa. De supetão, ela abre as pernas e Jorge cai.

Morte - (Rindo-se e levantando-se ao mesmo tempo) Vais aprender a nunca confiar em estranhos e muito menos em mim.

Jorge - És uma sacana, mas já te digo. ( Levanta-se e corre atrás dela pelo quarto)

Morte - (Rindo-se) Não… socorro… ajudem…

Rapidamente Jorge agarra-lhe a mão e, ao puxá-la, ela volteia e choca com ele, e os seus lábios unem-se, separando-se imediatamente, ficando a olhar-se fixamente nos olhos.

Jorge - Desculpa, não era minha intenção…

Morte - (Nervosa) Não tem mal, não tem importância.

As duas personagens sentem-se incómodas, caladas, sem saber o que dizer, evitando o olhar do outro.

Jorge - e Morte - (ao mesmo tempo) Bem…

Riem-se.

Jorge - Tu, primeiro.

Morte - Não, tu.

Jorge - Tu.

Morte - (Autoritária) Não. Diz tu.

Jorge - (Cabisbaixo) Bem… portanto, como te estava a dizer, podes-me levar, mas, como te disse, não estou de acordo, e não tens nenhum argumento, excepto a força, para me convenceres.

Morte - Ouve, esta noite tem sido bastante estranha para mim. Calculo que para ti também. Perdi as estribeiras, a seguir preocupei-me contigo, também me comportei de maneira – como é que vocês dizem? – infantil, ri-me e até senti um certo prazer inexplicável quando os nossos corpos se tocaram. Estou certa de que te vou convencer, através dos meus argumentos, se o quiser. Por isso, e porque me proporcionaste uma série de emoções para mim desconhecidas, estou disposta a dar-te uma oportunidade para salvares a vida. Proponho-te que discutamos toda a noite e se, ao amanhecer, não te tiver convencido, deixo-te viver. Isto, é claro, se te atreveres.

Jorge - Claro que atrevo. Não tenho nada a perder e muito a ganhar.

Morte - Mas antes quero que me expliques um pouco isso que tu disseste sobre arder antes de morrer.

Jorge - Ora bem, considero que há duas formas de viver esta vida. Podem-se seguir as normas impostas pela sociedade e arranjar um trabalho estável o mais bem remunerado possível, dependendo das tuas influências e do meio donde vens, casar, constituir família, pagar os impostos e, resumindo, conseguir a maior tranquilidade, comodidade e bens materiais, para ti e para os teus. Mas também podes mandar tudo às urtigas, decidires, tu mesmo, cada dia, o que vais fazer, andar por aí e por ali, a conhecer lugares, mesmo sem um tostão no bolso, consumir e fazer tudo o que a sociedade considera mau e procurar sempre experiências e apostar tudo em cada golpe da sorte que a vida nos traz. Desta forma consegue-se viver com mais paixão.

Morte - E no teu caso?

Jorge - Estou dividido entre os dois tipos de vida. Na realidade, não me importa morrer aos 27 anos, como o Jim Morrison, depois de consumir todas as drogas do mundo, dormir com todas as mulheres que me apetecer, escrever poemas e canções, e no fim converter-me num deus do rock androll.

Morte - Ou seja, por ti, só se pode obedecer à lei ou rebelar-se individualmente contra a sociedade. E onde é que cabem todos aqueles que procuram um tipo de vida melhor, desde uma guerrilha a uma ONG?

Jorge - (Emocionado) Se te tivesse conhecido há três anos, tinha-te dito que a vida valia a pena ser vivida pelo simples facto de o mundo, mais tarde ou mais cedo, ir converter-se num só bloco comunista, onde reinaria a igualdade, a justiça e a dignidade para todos, e basearia os meus argumentos na concepção materialista de Marx. Nesse propósito, a minha função seria contribuir, na medida das minhas possibilidades, para a chegada desse momento. Mas a queda do muro de Berlim e a divulgação de todos os abusos cometidos no Bloco de Leste demonstraram-nos que qualquer revolução, independentemente dos benefícios que traga, acaba por converter-se em burocracia e contrair novos males, quiçá inexistentes antes. Creio que os guerrilheiros e as pessoas que trabalham para uma ONG também são rebeldes. Mas tenho a certeza de que no final vão acabar por se acomodar e perder o alento revolucionário.

Morte - Parece-me que mudas de opinião com muita facilidade e que também tu te adaptas sem qualquer problema aos novos tempos, sem persistir nas tuas ideias.

Jorge - Não é isso. O que acontece é queee…

Morte - Não foi esse mesmo Marx que disse que a História se repetia e da primeira vez era uma tragédia e da segunda uma comédia?

Jorge - Sim, mas não contou com o facto de que o ser humano é egoísta por natureza. E, além do mais, o que ficou claro é que o comunismo dele não é nenhuma ciência exacta e que a instauração mundial da ditadura do proletariado não acontecerá por desígnio de alguma força superior.

Morte - Isso é verdade, mas também não podes descartar a ideia de que qualquer dia ressurja esse sistema como aconteceu com a República, que parecia morta em 1815 e que é o sistema de governo mais difundido actualmente. O que acontece é que de certeza que tiveste vergonha de manter as tuas crenças e te juntaste aos slogans da sociedade para evitares a marginalização. Então, onde é que está a rebeldia?

Jorge - (Sem convicção) Em agir de acordo com a minha consciência, sem fazer caso do que digam os outros já que, ao fim e ao cabo, o que importa é estarmos satisfeitos connosco mesmos.

Morte - Quer dizer, procurar a auto-perfeição já que não podemos confiar nos outros. Um bocado post-modernista, não te parece?

Jorge - Sim, e então?

Morte - (Sorrindo) Não, nada.

Jorge - Bom, talvez não seja tão rebelde como digo, mas essa não é a única razão pela qual quero viver. Também há o amor.

Morte - O amor?! Ui, que piroso!

Jorge - (Rindo) Não, a sério. Tu não sabes como é fantástico gostar tanto de uma pessoa que não te importavas de perder a vida para salvá-la, e, o melhor de tudo, é saber que ela também gosta de ti.

Morte - E tu, tens namorada?

Jorge - Não exactamente; uma amiga colorida.

Morte - Uma quê?!!

Jorge - Trata-se de uma relação em que fazes tudo e não há nenhum compromisso de nenhuma das partes.

Morte - Então isso não é amor; é luxúria.

Jorge - Neste caso é. Mas mesmo assim, o simples facto de poder dormir com alguém frequentemente faz com que a vida valha a pena, não achas?

Morte - Se tu o dizes…

Jorge - Não, a sério, atingir o que os franceses chamam «pequena morte» com a tua parceira é uma experiência única… como é que hei-de dizer? Ah, faltam-me as palavras.

Morte - Parece interessante. Tenho que experimentar.

Jorge -Pois não é tarde nem cedo. (Aproxima-se dela e dá-lhe um beijo na boca, mas ao tentar abraçá-la, ela afasta-se)

Morte - Calma, bicho. Além do mais, não penses que me seduzes com um pirolito, para evitares que eu cumpra a minha missão.

Jorge - OK, pelo menos tentei, e que conste que eu só queria dar-te esse gosto, mas se não queres, é quanto perdes.

Morte - Não me digas! Não te sabia tão bom.

Jorge - (Levantando-se) Pois, este corpinho caribenho, que tantas paixões provoca, não fica nada a dever ao do Richard Gere ou a qualquer um de que te lembres.

Morte - (Rindo-se) Não… está bem… falemos seriamente.

Jorge - (Volta a sentar-se, mas mais perto dela) Pois, como te ia dizendo, o amor ou, se preferires, a luxúria, são, por si mesmos, razões pelas quais não quero deixar este estado corpóreo.

Morte - E porque é que não andas com ninguém?

Jorge - Há três anos saía com uma rapariga alemã. Ela chegou à pensão do meu pai, a «S. Rafael», e instalou-se por um mês. Gostei dela desde o princípio, porque era muito bonita e simpática. O que aconteceu é que a via todos os dias, à hora do pequeno-almoço, no mercado, e pouco a pouco fomo-nos tornando amigos. Um dia ofereci-lhe os meus préstimos para levá-la a passear ao Gerês e a Trás-os-Montes. Quando regressávamos de carro, depois de ter bebido uns copos de tinto, parei a meio do caminho e olhei-a nos olhos fixamente, aproximei-me e dei-lhe um beijo sonoro que durou uma hora. Começámos a andar até que…

Morte - Até que…?

Jorge - Até que um dia, há cerca de um ano, chegou um amigo meu, conheceu-a e acabou por ma sacar, o grande cabrão.

Morte - Ou seja, o amor também é doloroso.

Jorge - É verdade. Por isso, agora prefiro ter uma amizade colorida. É menos prazeroso, mas mais seguro.

Morte - Pões de lado a paixão para evitar a dor, não é assim?

Jorge - É.

Morte - E é esse tipo de vida que pretendes viver? Sem sobressaltos e na mediocridade. Parece-me um pouco aborrecido.

Jorge - Ouve lá, também não penses que quero viver assim para todo o sempre. O que acontece é que depois do primeiro desengano fica-se mais conservador. Instintivamente, pões-te à defesa. Ainda por cima, nunca se sabe de onde vão surgir os tiros. Por exemplo, a Paulina, conheci-a numa festa de um amigo meu, que trabalha para o governo. Conhecemo-nos a dançar e acabámos na cama. No dia seguinte ela disse-me que o trabalho dela consistia em acompanhar altos funcionários a festas e dormir com eles quando surgia a ocasião, por isso não queria começar relação nenhuma. Pela minha parte, ainda estava bastante fodido por causa da Ana. Portanto, não pus nenhuma objecção. Assim, continuámos a divertir-nos e tornámo-nos amigos coloridos e da última vez que nos vimos decidimos viver juntos e que ela abandonava o trabalho. E não penses que isso se deva a estarmos apaixonados; ela é que está cansada do trabalho que tem e, por outro lado, damo-nos tão bem que porque não tentar? Quem sabe, se calhar acabamos por nos casar.

Morte - E sabias, quando tomaste essa decisão, que a tua vida corria perigo?

Jorge - Bom, para falar verdade, pensei que os velhotes da Paulina podiam ficar lixados, e até pensar que ela deixava o trabalho por minha causa, mas tinha a certeza de que a coisa não ia passar de uma tempestade num copo de água.

Morte - E, mesmo assim, decidiste seguir por diante?

Jorge - Sim, o prémio valia a pena. Uns tantos golpes esquecem-se depressa.

Morte - Ai, Jorge! És tão ingénuo.

Jorge - Porque é que o dizes?

Morte - A Paulina era a favorita de um governante, que, ao saber das intenções dela, a sequestrou e torturou até ela confessar que queria deixar tudo por ti. A Paulina está apaixonada por ti, e, por causa dela, mataram-te.

Jorge - (Nervoso e irritado levanta-se) Merda… Puta que pariu! (Aproxima-se daestante e atira ao chão todos os livros de uma das prateleiras e depois dá socos na parede)

Morte - Isso não te serve de nada.

Jorge - E depois? Estou morto, não estou? Ninguém se vai importar com o ruído do além (Torna a dar outro soco na parede). E ela? Também a vais visitar? (Respira fundo e mantém os punhos cerrados).

Morte - Não, ela viverá, ainda que vá demorar algum tempo a curar os ferimentos.

Jorge - (Vira-se e reclina-se contra a parede da estante, continuando a respirar fundo, mas mais tranquilo) Merda… como é possível que, por causa de uma porra destas, se tenha acabado tudo? Bom, pelo menos ela está viva. (Começa a chorar silenciosamente)

Morte - (Levanta-se, aproxima-se dele e abraça-o pelas costas) Olha, Jorge, sei que o que te fizerem é uma filha da putice, mas tens que te resignar. Além do mais, o lugar para onde te vou levar não pode ser assim tão mau (Começa a afagar-lhe o cabelo) para um rapaz tão simpático e inteligente como tu.

Jorge - (Voltando-se enquanto ela continua a afagá-lo) Tu achas?

Morte - Tenho a certeza (Olha-a com firmeza e beija-o. Os beijos prolongam-se e pouco a pouco ele encaminha-a para a cama, onde fazem amor, ela por baixo e ele por cima, entre gritos de êxtase de ambos).

Jorge - (Arquejante) Queres experimentar outra vez?

Morte - (Respirando fundo) Não… obrigada… se bem que tenha que reconhecer que isto é bom, de facto, como dizias. Não, não devemos fazê-lo.

Jorge - Porquê? Se estamos a gostar…

Morte - (Triste) Porque complica o meu trabalho. Agora vou ter pena de te levar comigo. Ainda que, por outro lado, pensando bem, (piscando-lhe o olho) se vieres comigo podíamo-nos ver mais amiúde e repetir a «experiência».

Jorge - (Rindo) Malandra (Chega-se a ela e beija-a na bochecha, enquanto que, com a mão, lhe começa a fazer cócegas no braço).

Morte - (Rindo e, ao mesmo tempo, tentando parecer séria) Pára… anda… não brinques.

Jorge - (Separa-se) OK, de acordo. Que é que queres fazer agora?

Morte - O mesmo que estávamos a fazer quando te lançaste para cima de mim como um animal com cio.

Jorge - Se bem me lembro, foste tu que deste o primeiro passo; portanto, se alguém foi atacado, fui eu.

Morte - Está bem, como queiras, mas continuemos a nossa conversa.

Jorge - (Olhando-a fixamente) Olha, não é que não goste de ti. Devo dizer que te acho muito agradável, mas sinto que o meu tempo ainda não chegou. Como te disse antes, ainda não ardi.

Morte - Não ardeste, como? Não decidiste vir estudar para a aqui e passar misérias, quando podias ter ficado na tua terra e arranjado um trabalho bem remunerado, com as influências do teu pai, a quem recusaste a ajuda material?

Jorge - Sim, e depois?

Morte - Não decidiste ir viver com a Paulina, sabendo que a tua vida podia correr perigo?

Jorge - Sim, mas…

Morte - Não estás a perceber? Cada vez que tomavas uma decisão sem te importares com as consequências, porque achavas que era o correcto, estavas a arder de vida no teu interior.

Jorge - Talvez, mas ainda não gozei os frutos dessas decisões.

Morte - Isso não interessa, o essencial é ter tido o valor de ter seguido em diante apear de tudo. Além do mais, para que é queres continuar a viver? Para acabar os estudos, conseguir um trabalho bem remunerado aqui ou lá na terra, casar-te, ter filhos e acomodar-te definitivamente a um sistema burguês de vida e ser um conformista medíocre?

Jorge - Não. Quero terminar a minha carreira de direito para, com base na lei, defender os trabalhadores dos capitalistas, apoiar os desfavorecidos contra os banqueiros usurários e, em poucas palavras, ajudar, através do meu modo de vida, os necessitados frente aos poderosos. No final de contas, não é preciso ser um guerrilheiro ou um depravado para se ser rebelde.

Morte - Nisso tens razão, mas temo que a profissão que escolheste seja das que mais corrompe os homens. Sabes o que se diz? “Diz sempre a verdade ao teu advogado, que ele encarrega-se de mudá-la.”

Jorge - (Rindo com vontade) É uma boa graça, não conhecia.

Morte - E que mais é que queres fazer?

Jorge - Não sei, ter uma relação estável… viajar… ler e escrever nos tempos livres, viver tranquilamente.

Morte - Olha que, com o teu trabalho e os clientes que tencionas ajudar, estou a ver difícil que consigas realizar alguns desses desejos. Em compensação, do outro lado, comigo podias ter tudo. E grátis.

Jorge - Pois, claro, mas não seria a mesma coisa.

Morte - Quem disse?

Jorge - Não era a mesma coisa porque, por exemplo, estar na praia mais linda do mundo não é tão excitante se não houver miúdas giras para engatar ou, pelo menos, para ver. De que é serve ler milhões de livros se não tiveres ninguém com quem comentá-los.

Morte - E porque é que pensas que é só solidão? (Piscando o olho) Eu podia-te fazer companhia.

Jorge - Diz-me uma coisa. Como é que é o outro lado para um ex-vivente?

Morte - Olha, não sei de ciência exacta como aquilo é por lá, mas sei que não existe, como tu acreditas, céu, inferno e purgatório.

Jorge - (Surpreso) Ah, carago! Explica-me isso com mais calma!

Morte - Pois é, tanto quanto sei, cada um vai parar ao lugar que lhe corresponde, segundo os seus gostos pessoais. Por exemplo, um banqueiro acostumado a trabalhar e a viver em constante competição com os outros e até, nalguns casos, a esquecer toda a ética nos momentos de tomar decisões importantes respeitantes ao seu banco, como despedir um trabalhador cheio de experiência, sem ter em conta os seus méritos, porque fica mais barato contratar um jovem ambicioso e inexperiente, encontrará um mundo à sua medida. Um mundo de luta, sem lei, em que poderá mandar nos outros, mas poderá também ser vítima de injustiças. Em compensação, tu, se de facto tentas viver uma vida tranquila, de prazer e reflexão, também poderás fazê-lo.
                                                                                                              
Jorge -Ou seja, depois da vida existem outros mundos e cada um escolhe a sua nova morada.

Morte - Pelo menos, foi isso que me disseram algumas das almas que transportei para lá, depois de algum tempo de «já não viver».

Jorge - E como é que é possível que, uma vez que és tu que escolhes o teu próprio mundo, te possas acotovelar com outras pessoas? Responde-me lá a isto!

Morte - Não sei, mas suponho que algo tem a ver com a similitude de gostos das almas.

Jorge - Olha que interessante. Está-se sempre a aprender. Ainda que seja a última coisa que aprendas.

Morte - (Dá-lhe um ligeiro cachaço) Não sejas palhaço. Além do mais, tu tens uma vantagem sobre os outros.

Jorge - Qual?

Morte - A de, em função do tempo que te ofereci, poderes chegar a vislumbrar que tipo de mundo é que te tocaria. Isso, claro está, na condição de seres sincero contigo mesmo e aceitares os teus desejos, tanto os positivos como os negativos.

Jorge - Ou seja que, se for sincero, poderei saber o que me espera.

Morte - Se quiseres pôr a coisa nesses termos, se bem que duvide que se possa ser totalmente sincero, sobretudo porque uma grande parte da tua vida depende dos outros e a tua formação está marcada pela educação, pelo meio e pelos pais.

Jorge - Está certo, mas há um momento em que cada um, independentemente da formação que tenha recebido, escolhe o que quer ser. Além do mais, se levarmos à letra a tua ideia, isso significaria que existe um determinismo na conduta das pessoas e que ninguém poderia mudar.

Morte -  Tu acreditas que as pessoas podem mudar?

Jorge - Se tiveres uma revelação ou sofreres uma experiência inusitada ou inclusive, porque não, através de uma relação.

Morte - Pode ser, mas penso que, na maioria dos casos, os seres humanos não mudam, apenas se tornam mais manhosos.

Jorge - Quem sabe, mas, é curioso, estava a pensar no que me disseste sobre os mundos alternativos e acho que, de certa maneira, se nós quiséssemos, poderíamos viver num paraíso, mas, por uma estranha razão, agarramo-nos ao inferno.

Morte - Também não é preciso seres trágico. Não te flageles! O mundo também tem aspectos agradáveis e também se pode alcançar a felicidade nele.

Jorge - É verdade… Sabes, tem graça, agora sou eu que pareço a morte e tueu; digo-o porque, pela maneira como nos expressamos, até parece que sou eu que te quero levar.

Morte - (Sorrindo) Tens razão.

Jorge - Sabes uma coisa que me fode verdadeiramente neste mundo? É a felicidade com que aceitamos que nos imponham ideias estúpidas sem sequer as rebatermos.

Morte -Referes-te a quê?

Jorge - À maneira como, por exemplo aceitámos um sistema que apenas favorece o capital financeiro e que aumenta a distância entre ricos e pobres; à facilidade com que nos vendem a ideia de que necessitamos, em todos os países, de um líder tipo Moisés para conduzir o seu povo. Hoje em dia chegou-se à conclusão de que a melhor maneira de escolher esse líder é através das urnas, o que não está errado, mas não seria melhor se todos participássemos das decisões que afectam as nossas vidas em vez de nos deixarmos levar como carneiros? Não seria melhor tentar criar um mundo mais justo em oportunidades em vez de aumentar as diferenças?

Morte - (Simulando estar cansada) Valha-me Deus! Tinha logo que me sair um sonhador. Olha, talvez um dia o homem evolua o suficiente para respeitar cada individuo, cada nação e, acredita, tal como dizes, um mundo melhor, mas vocês por enquanto ainda são demasiado primitivos e apenas começam a dar-se conta de que o que afecta uma grande quantidade de seres humanos acaba por se repercutir nos países mais ricos, de uma ou de outra maneira. O que mais me admira é o teu apego a este mundo, a pensares dessa maneira.

Jorge - Tens razão, se calhar não quero morrer porque estar influenciado pela minha educação religiosa, que proíbe o suicídio, e aceitar ir contigo, nestas circunstâncias, equivaleria a isso. Talvez seja demasiado humano para querer abandonar este sítio, com todos os seus defeitos, ou pode ser que tenha medo do desconhecido.

Morte - (Abraçando-o) Não tens nada a temer; eu vou estar a teu lado, a ajudar-te no que for preciso.

Uma luz entra pela janela, e a parte exterior do quarto ilumina-se progressivamente até haver uma claridade total no final. Começa a ouvir-se o ruído dos autocarros e da rua, retomando a vida. Ouvem-se os gritos dos vendedores ambulantes e de um galo a cantar. O ruído vai aumentando até chegar Paulina, com um vestido provocante e com uma pisadura num olho, entrando pela direita, e começando a bater à porta, primeiro pausadamente e esperando uma resposta, depois cada vez mais forte. No final, a morte precisa de gritar para poder ser ouvida.

Morte - (Levanta-se e põe-se de costas para a estante, olhando Jorge) Acabou o tempo. O que é que decides?

Jorge - Não sei… gostava de ficar contigo, mas… (Aproxima-se dela até que ouve as pancadas na porta e vai abri-la, mas hesita e não o faz. Até um pouco antes do final, Jorge anda entre a porta e a morte sem saber o que fazer).

Paulina - (Batendo à porta) Jorge, sou eu, a Paulina. Acorda e abre.

Morte - (Levantando um pouco a voz) Vem comigo, não lhe… (Ruídos de claxons e de vendedores) ligues. Se não a amas, só lhe podes fazer mal.

Paulina - (Batendo cada vez com mais força) Jorge, abre. Temos que falar.

Jorge - Já (Ruído de claxons, vendedores, pancadas na porta, que tornam a resposta inaudível) vou. (Aproxima-se, mas não abre)

Morte - (Aumentando a voz, nervosa, sobre os mesmos ruídos e falando ao mesmo tempo que Paulina, que começa a gritar. Jorge está no centro do quarto, onde ficará até ao final.) Decide-te, ela ou eu?

Paulina - (Ao mesmo tempo que a morte) Jorge, não te escondas. Temos que falar.

Jorge - (Gritando e virando a cabeça para ambos os lados) O quê? O quê?

(Aos ruídos anteriores junta-se o de música, a todo o volume, de algum vizinho)

Morte - (Dirige-se ao público. Param os ruídos. Agita os braços e grita a plenos pulmões) Que é que decides, porra?


As luzes apagam e cai o pano

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